segunda-feira, 16 de julho de 2007

O enigma do prodígio

O engenho do cérebro humano desconcerta-me. Então, o que dizer de Alexander Alekhine, prodigioso enxadrista russo, inovador do jogo posicional, que conseguia conduzir com êxito, contra adversários experientes, mais de trinta partidas simultâneas às cegas? E o que dizer de Ziad Youssef Fazah, libanês naturalizado brasileiro, que em três anos aprendeu 58 idiomas, entre os quais incluem-se: o cambojano, o vietnamita, o javanês, o tailandês e o finlandês? O que dizer de Wolfgang Amadeus Mozart, prodígio austríaco, que mentalmente compunha longas sonatas enquanto jogava bilhar? O que dizer de Blaise Pascal, de Galileu Galilei, de Isac Newton, de Emmanuel Kant, de Leonardo da Vinci, Michelangelo, de Ludwig van Beethoven, de Charles Darwin, de Albert Einstein e de tantos outros que encantaram o mundo com suas habilidades incomuns?
Os prodígios nos encantam porque usualmente os enxergamos como a um monólito. Suas super-habilidades absorvem-no e ofuscam o ser heterogêneo que seguramente o são. Alekhine, além de enxadrista inexprimivelmente bom, era também alcoólatra e conviveu com os dissabores de uma cirrose hepática. Era viciado em cassinos e em suas roletas, deixou os cobres amealhados nos principais torneios do mundo. Foi enxadrista do 3º Reich e escreveu artigos a defender que o estilo de jogo ariano era valente, impetuoso, ao passo que o estilo judeu era defensivo e covarde.
Sim, Alekhine também não era um monólito como, ademais, nenhum de nós o é. Inicialmente, a frenologia com suas especulações pouco precisas, hoje, a neurociência com os seus métodos avançados, são concordes em afirmar que o cérebro apresenta estruturas individuais especializadas em diferentes funções. Assim, temos que no lobo frontal do córtex, reside a vontade e o planejamento, que na área de Broca, alojam-se os mecanismos dos movimentos da fala, que no lobo temporal, estão importantes estruturas da memória como o hipocampo, que no lobo occipital, encontram-se os mecanismos da visão, que no lobo parietal estão os mecanismos neurológicos do movimento, que no lobo temporal anterior, formam-se as percepções olfativas, que no encontro de axônios e dendritos, fazem-se as conexões elétricas que geram o ser inteligente.
Isto não é suficientemente persuasivo? Então, vejamos o caso particular das crises convulsivas. Quando uma descarga elétrica anormal se propaga por toda a extensão do córtex cerebral, o indivíduo certamente perde os sentidos. Se a descarga é no lobo frontal, poderá falar algaravias desconexas e agitar os membros, se é no lobo occipital, terá ilusões visuais; se é no temporal anterior, as ilusões serão olfativas; se é no lobo parietal, então, apresentará dormência nas extremidades. Nestes últimos, poderá ou não haver perda dos sentidos. A convulsão e sua vasta tipologia demonstra patentemente que o cérebro, assim, como os indivíduos a que pertencem, não é um monólito.
Claro está que, o cérebro apresenta estruturas especializadas; que umas podem desenvolver-se muito mais do que outras e é provavelmente esta a origem dos prodígios. É fato que uma super-habilidade poderá perfeitamente conviver com outras habilidades que, de tão ordinárias, não parecem compatibilizar-se com o gênio. Se é fato que a super-habilidade destaca-se quando contraposta no mesmo indivíduo com as habilidades normais, então, o que se dirá quando um indivíduo, portador de uma deficiência, apresenta uma super-habilidade? Aqui temos a prova última da especialização das estruturas cerebrais. Pacientes com Síndrome de Asperger ou outras formas de autismo, podem revelar uma habilidade incomum em realizar cálculos, de tocar instrumentos musicais, de memorizar séries intermináveis de conteúdos etc. Todavia, apresentam notáveis déficits no processo de comunicação. A propósito, especula-se que Michelangelo, Einstein, Mozart e Newton fossem portadores desta síndrome. Maquinário formidável que, de tão isento, ao estudar a si próprio, permanece tão alheio quanto se nada lhe dissesse respeito.

Dicas de leitura:
Xadrez da Guerra Fria
O maior poliglota do mundo
O estudo das funções cerebrais no século XIX
Uma breve biografia de Broca
O Sistema Nervoso Central
Cérebro - Estrutura e irrigação
Os hemisférios cerebrais
Memória - O que é e como melhorá-la
Distúrbios convulsivos
Autismo e Síndrome de Asperger
Aspectos médicos da Síndrome de Asperger
Revista Cérebro & Mente
A história da neuropsicologia